top of page

17 de abril de 2018

  • sevenweeks3
  • 11 de jun. de 2018
  • 5 min de leitura

Nas três vezes em que estive grávida, ouvi das pessoas que deveria esperar três meses para tornar pública a notícia, porque nesse período é grande o risco de perder o bebê. Isso nunca fez sentido pra mim. Mas, depois da minha segunda gestação que acabou com a perda dos meus gêmeos, confesso que repensei e, quando fiquei grávida pela terceira vez, tentei me conter e acabei só falando para a família imediata e amigos muito próximos.


Quando dias atrás perdi também a minha filhinha, me dei conta de que a minha primeira intuição estava certa. Não fazia nenhum sentido esconder do mundo a vida dos filhos que tanto amei só porque eles não nasceram. Qual a lógica em ocultar minha filha no meu ventre, sendo tanto ela quanto todos os seus irmãos, partes tão importantes de mim e que continuarei carregando comigo pra sempre? Se tivessem se desenvolvido e nascido, assim como o irmão mais velho, estariam aqui, disputando meu colo com ele. Como não posso dar meu colo a todos, carrego só um nos braços, mas todos os quatro no coração.


É doloroso ter que dizer para as pessoas que perdi meus bebês? É sim, muito doloroso. Mas agora entendo que falar faz parte do meu processo de reconstrução. Parece que falando consigo entender melhor que o que houve é fato, não dá pra mudar. Que essa é a minha história e vou ter que aprender a lidar e conviver com ela, por mais dolorosa e triste que seja. Expor meus sentimentos é parte da tentativa de transformar o desespero, a dor aguda de uma ferida que ainda sangra, na resiliência de uma dor controlada, marcada pra sempre como uma cicatriz.


As pessoas tendem a achar que por terem acontecido tão precocemente, as minhas perdas não deveriam doer tanto assim. Que não é natural nutrir amor por um punhado de células, que existiram apenas no meu ventre e por tão poucas semanas. E eu entendo que seja difícil compreender, já que para o mundo eles não foram pessoas reais. É muito abstrata a vida numa fase tão inicial pra quem assiste a gravidez do lado de fora.


Acontece que em mim o amor por eles surgiu no mesmo momento em que descobri que existiam. Para mim não se trataram de projetos que não deram certo ou de simples frustrações dos meus planos de maternidade. Tampouco consigo classificá-los como embriões, conceptos ou qualquer outro termo da linguagem científica aplicável ao estágio que a breve vida deles alcançou. Como mãe não consigo designá-los de outro jeito senão chamá-los meus filhos.


A minha verdade, que pode ser diferente da percepção de outras pessoas que passaram ou não por situação semelhante, é que o meu vínculo com cada um dos meus quatro filhos é único e insubstituível. Eu tenho amor por eles, eles são pedaços de mim, cada um especial e importante, independente de terem estado na minha vida por pouca semanas ou da oportunidade de convivência diária e perspectivas de futuro.


Entendo que tudo que me dizem não é por mal. As pessoas que me cercam tem a intenção de me ajudar, de me incentivar a parar de sofrer. Posso dizer que eu mesma, antes de passar por essas terríveis experiências, não compreendia o tamanho e a complexidade do luto em casos de aborto. Não podia nem imaginar que fosse tão difícil. Talvez porque ouvi relatos de pessoas próximas que enfrentaram o fato com mais naturalidade e menos sofrimento. A minha própria mãe, que também passou duas vezes por isso, me disse ter ficado triste, mas não ter se sentido “assim tão arrasada quanto eu” (usando aqui as palavras dela). Cada um sente de um jeito. A forma de sentir depende da personalidade e da história de vida de cada um.


Eu procuro entender e agradecer cada vez que ouço alguém me incentivando a esquecer, dizendo que Deus sabe o que faz, que foi melhor assim, que posso ter outros filhos, que tenho que agradecer pelo mais velho, que está comigo e cheio de saúde. Sou sim muito grata pelo meu menino lindo, que é a luz da minha vida e a minha força pra prosseguir. Sei que cada palavra é cercada das melhores intenções, de carinho e preocupação com meu bem estar. Também sei que é muito difícil consolar a dor do outro. Eu nunca soube bem o que dizer para as pessoas que vivem o luto. Hoje eu sei o quanto estava errada quando, no meu convívio com pessoas que enfrentavam o sofrimento por alguém que se foi, tentei evitar tocar no assunto ou no nome de quem partiu, na tola esperança de que isso evitasse o despertar da dor. Inúmeras vezes me mantive à distância, justamente por não saber o que dizer ou como agir em momentos assim. Logo não posso e não tenho a menor intenção de criticar as palavras de ninguém.


Só queria ter a chance de dizer aos que se importam comigo que, embora eu talvez possa ter outros filhos, não se trata de um processo de substituição. Não estou sofrendo porque quero “um filho”. Estou sentindo a perda “destes filhos”, que amo e que não podem e não serão nunca substituídos ou esquecidos. Eu poderia ser mãe de outros dez filhos, ainda assim sentiria falta dos meus 3 que perdi. Usei a expressão “talvez eu possa ter outros”, porque ainda não há um parecer médico sobre o que houve e também porque não estou em condições de decidir se desejo ou não engravidar novamente. Agora o que mais desejo é me recuperar, aprender a viver com a realidade das minhas perdas, transformando a dor em algum tipo de crescimento e amadurecimento. Quero ter de novo a possibilidade de sorrir e ter momentos felizes, mesmo sabendo que não vou jamais esquecer o que passou, que de vez em quando ainda vou chorar e que pra sempre vou sentir falta desses meus pedaços que o mundo não conheceu, mas que fazem parte de mim.


Aos que convivem comigo, eu queria encontrar uma forma de pedir que não se preocupassem com as palavras de consolo, porque na verdade não há o que dizer. Reconheço em cada abraço, olhar afável ou em palavras simples como “eu sinto muito” o cuidado e o carinho que me cercam. Queria dizer que quando desabafo com alguém, não estou esperando que essa pessoa me aponte uma solução para a minha dor. Na verdade só preciso colocar pra fora sentimentos que estão me sufocando. Não é necessário dizer nada, apenas ouvir. O que eu espero mesmo é receber acolhimento. Não me digam por favor que foi a vontade de Deus, não deduzam o que Deus quer para mim. A vontade de Deus é que ninguém sofra. Ele apenas permite o sofrimento. Queria poder pedir que me perdoassem por ainda não conseguir ser uma companhia agradável, por não reagir positivamente as tentativas de estímulo e por não conseguir desenvolver conversas sobre outro assunto. Sei que vai levar algum tempo para digerir e assimilar minha experiência, para aprender algo com isso e talvez me tornar uma pessoa melhor. Sou consciente de que essa fase que estou vivendo faz parte de um processo e tem uma função. Não é algo que eu possa acelerar pra me livrar o quanto antes. E que por enquanto já considero uma grande vitória continuar respirando, comendo, dormindo, existindo...

Comments


Follow

  • Facebook
  • Twitter
  • LinkedIn

©2018 by 7 Semanas. Proudly created with Wix.com

bottom of page