31 de março de 2018
- sevenweeks3
- 11 de jun. de 2018
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Se passaram 8 dias desde que sofri o aborto. Hoje acordei com a notícia de que a bolsa da minha cunhada rompeu, meu sobrinho está chegando adiantado, às 36 semanas de gestação. Junto com a surpresa, com a preocupação pela prematuridade dele e com a ansiedade em conhecê-lo, veio também o medo. Medo de entrar naquela maternidade, onde exatamente 2 semanas atrás fui ao pronto atendimento por causa de um pequeno sangramento. Aquele lugar frio, onde fui atendida por um profissional igualmente frio, que ao ver minha bebê no ultrassom, me deu a notícia que o desenvolvimento não estava conforme o esperado e que eu deveria preparar meu coração. Foi nesse mesmo lugar onde ouvi o lindo som das batidas daquele coraçãozinho, que funcionava em ritmo normal e apesar de pequenininho se mostrou muito forte.
Nesse momento tão feliz da chegada de mais um membro na nossa família, no meio dessa celebração tão bonita da vida, eu ainda não consegui me recuperar da morte que aconteceu dentro de mim. Esses opostos tão grandes entre o momento da família e o meu momento interno quase me travaram. Eu tive muita vontade de dizer ao meu marido que não iria até a maternidade, que preferia aguardar a alta do Lorenzo para conhecê-lo em casa. Me sinto completamente despreparada pra lidar com essa situação. Sabia que em pouco tempo teria de confrontar esse antagonismo dentro de mim, a dor da minha perda com a felicidade de ganhar um sobrinho. Mas esperava ter pelo menos mais 2 semanas pra me preparar psicologicamente.
Me lembro de como foi difícil lidar também com a notícia de que minha cunhada estava grávida. Em 18 de agosto do ano passado, 2 meses depois de perder meus gêmeos. Lógico que fiquei feliz com a notícia! Sabia o quanto toda a família desejava a gestação dela. Mas também doeu. Doeu a notícia, doeram os planos de chá de revelação no salão de festas do meu prédio, doeram os resultados de beta HCG, os comentários, as perguntas, tudo. E agora estou aqui, enfrentando a segunda perda ocorrida há uma semana e diante de um nascimento na família.
Apesar do desejo de fugir do enfrentamento, me preocupo com o que as pessoas que amo esperam de mim. Penso em como posso decepcionar meu marido, me esquivando atrás da minha dor por medo de fraquejar. Imagino a decepção da minha cunhada, quando ouvir que eu não estarei lá pra compartilhar o momento mais lindo da vida dela. Será que seriam capazes de compreender as razões da minha ausência? Ou poderiam pensar que menosprezo a chegada do meu sobrinho, que não o amo verdadeiramente ou algo parecido?
Decidi encarar a realidade. Respirei fundo. Me dirigi brevemente a Deus em oração pela primeira vez nesses últimos 8 dias. Pedi força, controle, sabedoria. Olhei nos olhos do meu primogênito e perguntei se ele estaria comigo e se cuidaria de mim. Tirei força não sei de onde. De Deus, do meu filho, do que restou de mim.
Entramos na maternidade por uma porta diferente do que usamos há 2 semanas atrás. Senti um arrepio na espinha quando entrei no quarto. Mas o primeiro ponto onde fixei meu olhar foi a cabecinha do meu sobrinho nos braços da minha sogra. Me aproximei, vi aquele rostinho tão pequeno e tão lindo e me apaixonei imediatamente. O amor que nasceu ali por aquela pessoinha anestesiou por alguns instantes a dor no meu coração. Só depois consegui olhar as outras pessoas em volta, abraçar e parabenizar os pais, avós e outros tios. Minha sogra, muito perspicaz, logo perguntou se eu queria segurá-lo. Rapidamente estendi os braços e fiquei ali, com ele no colo, olhando cada detalhe daquele rostinho minúsculo. Senti um certo orgulho por conseguir estar ali e cumprir o meu papel de tia. Consciente da força que exigi de mim mesma, saí de lá sorrindo.
Cheguei em casa transformada em outra coisa, como se tivesse gasto toda a minha força no hospital, eu era só um trapo que sobrou daquela pessoa forte e confiante de minutos atrás. Disfarcei o necessário para não preocupar meu marido com meu estado. Mas na primeira oportunidade me fechei no banheiro para chorar. Chorei compulsivamente. A necessidade de expulsar aquela angústia de dentro de mim era tão absurda que cheguei a vomitar. Se extrapolei os meus limites foi com o sincero propósito de não decepcionar pessoas que tanto amo. De certa forma acho que impus a mim mesma uma tremenda violência psicológica. Não é que eu não possa ficar feliz pelo meu sobrinho, é só que cada vez que vejo um bebê ou uma mulher grávida, sinto tanta saudade de ter meus filhos na barriga que eu mal posso aguentar.
Não consegui dormir à noite. Passei a madrugada inteira pensando no que pode ter acontecido, em qual seria a razão de ter perdido minha bebê. Segui todas as recomendações do obstetra, usei rigorosamente as medicações prescritas, me alimentei de forma muito mais saudável do que quando estava grávida do Gael e, apesar de uma ponta de medo, estava feliz, confiante e extremamente otimista.
Será que as injeções de enoxaparina não fizeram o efeito necessário? Será que dormi pouco? Será que foi o nervoso que passei no trabalho? Será que não devia ter segurado o Gael no colo? Não consigo encontrar motivo pra me culpar apesar de carregar sim um enorme sentimento de culpa e de impotência.
Me resta esperar pelo resultado do cariótipo, contando que exista nele alguma resposta.
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